Segunda dose da Pfizer não reduz imunidade em quem já teve covid

É enganosa uma publicação que sugere que a aplicação da segunda dose da vacina da Pfizer reduz a imunidade de pessoas que já testaram positivo para a covid-19.
O estudo citado no post verificado pelo Comprova, no entanto, somente sugere a aplicação de uma dose da vacina, em vez de duas, para indivíduos que já se contaminaram com a doença. Isso porque, segundo a pesquisa, o grupo desenvolveu parte da imunidade ao contrair o vírus, não necessitando da segunda aplicação.
A pesquisa, em nenhum momento, afirma que há riscos para a imunidade de quem recebe a segunda dose, tampouco sugere a suspensão do uso de imunizantes, como cita a publicação. Por esse motivo, a reportagem considera como enganosa a publicação compartilhada pela médica Helen Brandão no Instagram.
A reportagem tentou contato com a médica, mas ela não respondeu.
Como verificamos?
Inicialmente, o Comprova buscou no Google o nome do artigo publicado no perfil da autora verificada.
Após encontrar o artigo citado na postagem do Instagram, contatou Anamelia Bocca, professora titular de Imunologia da Universidade de Brasília (UnB), para analisar o estudo.
A reportagem também buscou os dados profissionais de Helen Brandão, autora do post, no LinkedIn, no currículo acadêmico Lattes e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Por fim, enviou mensagem pelo Instagram da médica e por um contato de WhatsApp disponibilizado no perfil da rede social - em ambas tentativas, não houve retorno.
Também amos a Pfizer e a Anvisa para questionar se estavam mantidas as orientações para duas doses do imunizante. A farmacêutica manteve as orientações da bula, mesma informação reada ao Comprova pela Anvisa.
O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 4 de outubro de 2021.
Verificação
O que diz o artigo
O primeiro link que aparece no Google a respeito do estudo citado pela médica faz o redirecionamento para a National Library of Medicine (Biblioteca Nacional de Medicina), página que reúne artigos sobre biotecnologia dos Estados Unidos.
O artigo citado no post também foi publicado pelo periódico científico Cell Reports, que é revisado por pares antes da publicação dos estudos.
O levantamento sugere que apenas uma dose da vacina da Pfizer contra a covid-19 é suficiente para imunizar pessoas que já tiveram a doença, divergindo do que foi compartilhado pela médica Helen Brandão no Instagram. Os pesquisadores afirmam que, 20 dias após a aplicação da primeira dose, a resposta imune de indivíduos que não tiveram covid começa a cair.
Já aqueles que tiveram a doença conseguem manter a imunidade mesmo após este período, o que sugere que pessoas que já tiveram covid têm uma resposta imune antes mesmo da primeira dose, necessitando apenas de uma dose da Pfizer.
Segundo o post da médica, a pesquisa demonstraria que a segunda dose do imunizante "prejudica a resposta celular de pacientes recuperados". O levantamento traz, no entanto, constatações em outra linha de raciocínio: a de que a vacina é, sim, importante, mas em vez de duas doses da Pfizer, uma dose única seria o suficiente para pessoas já recuperadas de covid-19.
Isso é verdade?
Após ler o artigo e a publicação da médica goiana, o Comprova compartilhou os dois conteúdos com a professora titular de Imunologia da Universidade de Brasília (UnB), Anamelia Bocca e questionou se a segunda dose da Pfizer poderia prejudicar a resposta celular de pacientes recuperados. "Os autores não dizem isto em momento algum", resumiu.
Em dois áudios, Anamelia Boca explicou o seguinte: os pesquisadores constataram não ter havido melhora nos níveis de IgG (anticorpo) nem de IL-2; e que houve uma queda muito pequena de interferon gama entre os que já tiveram covid. "Os autores não atribuem isso à redução da resposta imune provocada pela vacina. Eles concluem que pode haver uma mudança no esquema vacinal de recuperados da covid e de pessoas que não pegaram a doença. Porque, quem teve, com apenas uma dose de vacina, vai ter o mesmo nível de resposta imunológica que os indivíduos que não se infectaram com o novo coronavírus e receberam duas doses do imunizante".
A Pfizer explica, na bula do imunizante, que o esquema vacinal só fica completo com as duas doses. A farmacêutica não descarta a vacinação para os que foram diagnosticados com a covid-19 e sugere apenas que, em casos agudos da doença, o paciente converse com médicos para saber o que fazer. Mas que, em casos de febre baixa ou quadro leve de infecção é possível, sim, ser imunizado com a Pfizer.
Segundo a fabricante, o medicamento não deve ser istrado apenas em casos que pessoas tenham apresentado reação alérgica aos componentes da vacina, citados na bula. Em nota ao Comprova, a Pfizer reforçou que não há estudos em andamento conduzidos pela empresa para a aplicação de apenas uma dose da vacina em pessoas que já foram contaminadas.
Apesar de o estudo publicado na National Library of Medicine sugerir apenas uma dose para quem já teve covid-19, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informou não ter havido mudanças no esquema de imunização aprovado na bula da Comirnaty, a vacina da Pfizer. "A bula da vacina continua indicando a aplicação de duas doses com intervalo de três semanas". E acrescentou: "Recentemente a Anvisa recebeu o pedido da Pfizer para inclusão de uma dose de reforço na bula. Este pedido ainda está em análise pela Anvisa."
Sobre o pedido, a farmacêutica informou ao Comprova que "iniciaram em julho estudo que avalia uma terceira dose, ou dose de reforço, da vacina Comirnaty contra a covid-19 com voluntários dos Estados Unidos, África do Sul e Brasil". De acordo com os dados iniciais do estudos, uma dose de reforço istrada pelo menos seis meses após a conclusão da série de vacinação primária é capaz de aumentar a taxa de anticorpos contra covid-19 incluindo boa resposta às variantes.
A médica
Helen Brandão divulga em suas redes que tem pós-graduação em Dermatologia e Medicina Estética. Brandão também diz ter residência médica em Saúde da Família e Comunidade pela Prefeitura do Rio de Janeiro.
A reportagem buscou os dados profissionais sobre a médica no LinkedIn, no currículo acadêmico Lattes, do CNPq e no Instagram. O Comprova também verificou que Brandão possui registro no CREMEGO (Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás).
Um link que redireciona para o número de WhatsApp da clínica dela foi encontrado no perfil das redes sociais e, por meio dele, fizemos contato. Até a publicação do texto, não houve retorno.
Embora o conteúdo verificado tenha sido uma republicação de outro perfil, é possível encontrar diversas publicações que abordam a vacinação e reações das vacinas contra a covid-19 no perfil da médica Helen Brandão.
As publicações do perfil também questionam as segundas doses dos imunizantes, mesmo que já exista a comprovação da eficácia e importância de completar o esquema vacinal.
Recentemente a médica Helen Brandão foi mencionada durante depoimento do empresário Luciano Hang na I da Covid. Na ocasião, Helen aparece em vídeo sendo entrevistada pelo empresário para participar do lançamento do aplicativo TrateCov, desenvolvido pelo Ministério da Saúde.
Por que investigamos?
Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições. A publicação verificada teve quase 2 mil curtidas e mais de 150 comentários no Instagram.
Conteúdos que desacreditam as vacinas ou minimizam os riscos da pandemia são perigosos porque podem levar a população a colocar a saúde em risco.
Em uma checagem anterior, o Comprova havia constatado que a médica Helen Brandão citava de forma enganosa estudos não conclusivos sobre a existência de uma conspiração da indústria farmacêutica contra a cloroquina, medicamento comprovadamente ineficaz contra a covid-19.
O Comprova também já verificou que as segundas doses servem de reforço e são comuns em programas de vacinação, bem como desmentiu que pessoas que são contaminadas após a vacinação diminuem a eficácia da vacina, ao contrário das publicações feitas no perfil da médica Helen Brandão.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou ainda aquele que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
O Comprova é um projeto integrado por 40 veículos de imprensa brasileiros que descobre, investiga e explica informações suspeitas sobre políticas públicas, eleições presidenciais e a pandemia de covid-19 compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens. Envie sua sugestão de verificação pelo WhatsApp no número 11 97045 4984.
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