Filho de faxineira, ele ia à aula de inglês escondido e se formou nos EUA
Fred Ramon, 24, cresceu na periferia de Jaboatão dos Guararapes, na região metropolitana do Recife, em uma família de baixa renda. Filho de uma faxineira que criava dois filhos sozinha e ganhava R$ 60 por semana no início dos anos 2000, Fred enfrentou desde cedo as dificuldades que marcam a realidade de milhões de brasileiros.
"Minha mãe trabalhava muito e mesmo assim não dava. A gente ava por muitos apertos."
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Ainda na infância, encontrou inspiração onde poucos esperariam: na televisão aberta. "Cresci escutando muito a MTV. Eu ligava a TV e ficava vendo os clipes, era a minha rotina depois da escola", diz. A exposição à música pop e ao inglês despertou sua curiosidade pela língua e foi isso o que abriu portas para que ele enxergasse algo além de sua vida no Brasil.
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Com 13 anos, pediu à mãe que pagasse um curso de inglês, mas ouviu que não havia condições. Determinado, começou a frequentar escondido às aulas de um curso público local. "Eu ia sozinho, sem ela saber. Queria muito aprender inglês."
Aos 15, já se comunicava bem no idioma. Na escola, se destacava em atividades extracurriculares: foi líder de classe, presidiu grêmio estudantil e participou de diversos projetos sociais e ambientais. "Ainda com 12 anos concorri ao grêmio estudantil contra alunos do ensino médio. Todo mundo achava que eu era doido, mas eu ganhei muitos votos", conta, rindo.
'De repente estava em Dubai'
Durante o ensino médio, organizou campanhas de preservação ambiental, foi conselheiro de juventude, deu aulas de inglês para a comunidade e dançou balé contemporâneo em apresentações culturais. "Era tudo junto: arte, política, educação. Eu queria transformar minha realidade e a da minha comunidade."
Aos 19, pouco depois de se formar no ensino médio, surgiu uma oportunidade inesperada: trabalhar em um cruzeiro. Sem saber muito bem onde estava se metendo, Fred embarcou num processo seletivo, foi aprovado, e viajou para Dubai contratado por uma companhia marítima.
Trabalhou como instrutor de dança, liderando atividades de entretenimento para ageiros internacionais. "Foi surreal. Eu nunca tinha saído do país e, de repente, estava em Dubai, dançando em festas de gala com europeus."
A experiência durou pouco: veio a pandemia, e ele precisou voltar ao Brasil. Foi nesse período, recluso, que surgiu a ideia de tentar algo maior: estudar nos Estados Unidos.
Vi um anúncio no YouTube falando sobre estudar em Harvard. Pensei: por que não?
Fred Ramon
Isolado no quarto, ou meses estudando inglês, refazendo seu histórico escolar e se preparando para os testes de issão norte-americanos. Foi aprovado em nove universidades. A que escolheu, Universidade Whittier, no subúrbio da Califórnia, oferecia uma bolsa de US$ 35 mil anuais (R$ 200 mil). Ainda assim, faltavam US$ 31 mil (R$ 176 mil) por ano para custear a estadia e os estudos.
A história comoveu uma colunista de Recife, que publicou um texto sobre sua trajetória. A matéria viralizou. "De repente, estavam falando de mim em São Paulo, em Brasília, em todo lugar. O pessoal de uma emissora veio à minha casa, fizeram entrevista com minha mãe."
Foi assim que sua história chegou até um empresário brasileiro que vive em Miami e decidiu custear sua ida para os EUA.
Ele e a esposa fizeram uma videochamada com minha família. Fizeram tudo: contato com a faculdade, ajuda com visto, comprovação de bolsa. Foi aí que tudo virou realidade. Fred Ramon
Nem tudo são flores
Com o apoio financeiro, Fred embarcou para os EUA em 2021 e começou sua graduação em ciência da computação, com dupla formação em istração e ênfase em finanças.
A vida universitária nos EUA, no entanto, exigiu mais do que bons boletins. Fred também trabalhou para se manter. Foi assistente de educação, analista de dados e, por fim, integrou o setor de desenvolvimento da faculdade —responsável por arrecadar fundos com ex-alunos e doadores. "Aprendi como funciona o sistema de bolsas por dentro. Cada centavo que a faculdade distribui vem de alguém."
No terceiro ano do curso, mais um desafio: os patrocinadores não conseguiam mais manter os custos.
Eles mostraram relatórios financeiros, tinham perdido uma filial da empresa. Eu entendi, mas fiquei desesperado.
Fred Ramon
Faltavam três semestres para concluir a graduação. Sem opção, Fred criou uma nova vaquinha online e voltou a procurar os veículos de imprensa que já haviam contado sua história. Com ela, arrecadou quase R$ 100 mil, mas isso ainda não seria suficiente.
A mobilização funcionou de outra forma: "A faculdade começou a ser pressionada por jornais do Brasil e até de fora. Me chamaram, viram todo o material da vaquinha, e me deram mais duas bolsas extras. Foi assim que consegui me formar", conta.
'Minha faculdade é uma das mais diversas'
Hoje, Fred trabalha como pesquisador e analista de dados e segue nos EUA com visto de trabalho. "Lá você entrega, eles te avaliam pelo que você faz, não por quem você conhece", conta.
E minha faculdade é uma das mais diversas dos Estados Unidos. Ela está no ranking de faculdades com mais diversidade étnica. Eu via gente de todo canto do mundo: França, Samoa, Austrália, Etiópia, Nigéria e China. Fred Ramon
A adaptação cultural foi um processo mais lento. "Não foi pelo inglês. Foi pelo individualismo. Lá é cada um por si. Aqui no Brasil a gente tem mais calor humano, mais conexão. Mas aprendi a viver entre os dois mundos", explica.
'Ainda tenho muito a aprender'
Fred se formou em 15 de maio deste ano. Ele é o primeiro da família a concluir o ensino superior. "Alguns terminaram o ensino médio, mas faculdade, só eu. Ver minha mãe orgulhosa é surreal. Nunca achei que ia conseguir, mas com ajuda, insistência, a gente chega."
Ele se considera uma pessoa entusiasmada e multifacetada. "Cresci com a influência da arte. É algo que está no meu dia a dia. Não consigo ar um dia sem escutar música", diz. Mas isso não o impediu de também se encontrar no universo das ciências exatas.
Eu vim das artes, mas a área de exatas nunca foi um problema para mim. Muita gente fala 'eu odeio matemática, odeio ciências', mas comigo foi diferente. Quando eu tinha 14 anos, minha mãe comprou um laptop. A gente ainda não tinha computador em casa. Aquilo foi uma revolução para mim. Fred Ramon
Para ele, tudo é questão de foco: "Eu acho que é preciso ter curiosidade e buscar. Se não fosse pela minha intuição de pesquisar coisas na internet, eu nunca teria descoberto essa faculdade", conta.
Agora, seu desejo é continuar nos Estados Unidos o máximo de tempo que puder. De férias no Brasil, volta no próximo mês para trabalhar em uma pesquisa já em andamento na universidade.
Ainda tenho muito a aprender. Todo mundo tem, é verdade. Todo dia a gente está aprendendo.
Fred Ramon