PL de defensora aliada de Tarcísio pode limitar ações contra governo de SP
A defensora pública-geral de São Paulo, Luciana Jordão, enviou nesta segunda à Assembleia Legislativa do estado um projeto de lei que muda a atuação da Defensoria em ações coletivas, o que poderia limitar processos contra o próprio governo estadual, segundo defensores.
O que aconteceu
Proposta limita independência da Defensoria. Projeto de lei propõe a criação do Grupo de Assessoramento de Demandas Estruturais, que aria a definir as regras para ações coletivas —processos em que se discutem direitos de várias pessoas—, função atualmente exercida principalmente pelos núcleos especializados da Defensoria.
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Para defensores, medida restringe atuação contra governo. O Grupo de Assessoramento seria formado majoritariamente por pessoas ligadas à defensora pública-geral, o que, na prática, transfere à istração o poder de decidir quais ações devem ou não ser propostas. Luciana Jordão foi indicada ao cargo pelo governador Tarcísio de Freitas.
Risco em ações sobre violência policial e direito do consumidor. A mudança viria a afetar diretamente casos que envolvem violência policial, direito do consumidor, direito à moradia, educação e direitos humanos, avaliam fontes consultadas pelo UOL. O texto, que prevê ainda a criação de mais de 300 cargos, além de reajuste salarial de 6%, chegou aos servidores sem consulta prévia.
Projeto não tem apoio unânime. Conselheiros tentaram impedir o envio integral à Alesp, sugerindo que apenas o trecho sobre ampliação de cargos e reajuste fosse encaminhado, mas a proposta foi rejeitada. O PL, que depende de aprovação dos deputados estaduais, foi apresentado ao Conselho Superior da Defensoria Pública na última sexta-feira.
Conselho é composto por 13 integrantes. A presidência é exercida pela defensora pública-geral, que também nomeia três membros. Outros oito conselheiros são eleitos pelos defensores públicos. A ouvidora-geral participa das reuniões, mas não tem direito a voto.
Servidores dizem que mistura de temas dificulta oposição. Segundo eles, a proposta junta a expansão da Defensoria com o controle das ações coletivas, criando um impedimento para quem possa se contrapor ao texto do projeto.
Texto gera preocupação na ouvidoria do órgão. A reportagem procurou a Ouvidora-Geral da Defensoria Pública, Camila Marques, que disse ver "com preocupação" o texto. Ela está preparando um posicionamento oficial sobre o projeto.
Projeto também recebeu críticas externas. Carolina Diniz, coordenadora de Enfrentamento à Violência Institucional da Conectas, afirma que o projeto é "muito perigoso", porque "amplia poderes da defensora pública-geral para definir as prioridades da instituição do orçamento às ações estruturais de tutela de direitos". Além disso, ela diz que o projeto "transforma o Conselho Superior, que hoje é deliberativo, em um órgão meramente opinativo sobre orçamento".
O projeto de lei coloca na mesma mesa de discussão com o estado pleitos por benefícios para a carreira e demandas por garantia de direitos da população mais vulnerável. Carolina Diniz, Conectas
Defensoria tem sido criticada por se alinhar ao governo do estado. Servidores dizem que Luciana Jordão tem limitado a atuação da instituição para evitar conflitos com o governador Tarcísio, que a nomeou para o cargo. Em abril, a defensora pública-geral publicou uma portaria proibindo que defensores concedam entrevistas sem autorização da chefia.
Projeto prevê 140 cargos novos de defensor até 2027. Também prevê mais 200 cargos de apoio e técnicos, propõe a redefinição de funções istrativas, revisão das regras de progressão funcional e criação de novas gratificações. O impacto financeiro estimado é de R$ 36,9 milhões em 2025, R$ 99,2 milhões em 2026 e R$ 169 milhões em 2027, valores que, segundo a Defensoria, já estão previstos no orçamento.
Outro lado
istração diz que grupo "não retira a independência funcional". Em nota enviada ao UOL, a Defensoria Pública afirmou que a mudança visa aumentar a robustez das iniciativas da Defensoria, "criando infraestrutura para ações de maior envergadura em demandas estruturais e com mais e, como já ocorre em outras instituições do Sistema de Justiça", citando como exemplos o STF (Supremo Tribunal Federal), MP-SP (Ministério Público de São Paulo) e AGU (Advocacia-Geral da União).
Centralização das ações. O paralelo com outros órgãos, no entanto, desconsidera que no caso da Defensoria haveria uma mudança que não foi debatida e inseriu o incômodo por centralizar eventuais ações na figura da pessoa indicada pelo governador.
Órgão nega que haja cerceamento de independência. "Não existe uma linha sequer no Projeto de Lei cerceando a independência funcional de quem quer que seja", diz a nota. "O grupo não tem caráter de impedimento de ações. Qualquer Defensor tem sua independência funcional preservada como regra essencial."
Defensoria critica pergunta sobre "alinhamento político". Entrevistados apontaram que a mudança pode centralizar decisões críticas na Defensora Pública-Geral —no caso, Luciana Jordão. Em nota, a instituição disse que a questão "a a sensação de que os defensores públicos estariam sujeitos a barganhas", o que classificou como ofensivo.
Os Defensores Públicos agem dentro de sua missão constitucional, defendendo setores vulneráveis e enfrentando desafios profissionais e pessoais. Construir esse raciocínio é um erro que ofende toda uma categoria. Defensoria Pública de SP
"Economia processual." Questionada sobre a inclusão do reajuste salarial e da ampliação de vagas no mesmo projeto que trata da criação do grupo de Assessoramento, a Defensoria afirmou que a estratégia segue o princípio da economia processual. Segundo a instituição, reunir temas complementares em um único projeto favorece a tramitação legislativa.