Caso João Pedro: Quando o Estado mata nossos filhos a Justiça não acontece, diz mãe do adolescente morto em operação policial
Um ano após crime, investigações estão paradas e policiais investigados seguem na ativa. "A impunidade está, sim, descarada", afirma Rafaela, que fala sobre o desafio de seguir em frente sem respostas sobre o assassinato.
Já faz um ano desde que a professora de educação infantil Rafaela Coutinho Matos viveu os piores dias de sua vida. João Pedro, seu filho de 14 anos de idade, foi morto com uma bala de fuzil durante uma operação policial no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, enquanto brincava com amigos na casa dos tios.
O crime ocorreu no mesmo mês do assassinato de George Floyd, nos Estados Unidos, cujo vídeo do policial branco com os joelhos sobre o pescoço do homem negro gerou protestos em todo o mundo.
No Brasil, a comoção em torno do assassinato de João Pedro foi tão grande que, no mês seguinte ao crime, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), proibiu em decisão liminar (provisória) a realização de operações policiais em comunidades do Rio durante a pandemia do novo coronavírus, exceto em "hipóteses absolutamente excepcionais", com anuência do Ministério Público.
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As cenas do pesadelo real de Rafaela voltaram com ainda mais força na semana ada, quando uma operação policial em no Jacarezinho, na Zona Norte do Rio, terminou com a morte de 28 pessoas, e o título de mais letal operação da história.
Pela TV, as imagens do noticiário lembravam muito das cenas vistas por Rafaela no dia em que João Pedro morreu: o helicóptero da polícia sobrevoando a comunidade, as manchas de sangue e os buracos de bala pelas paredes. "Eu fiquei observando porque é a mesma polícia, a mesma polícia que tirou a vida do João", disse ela em entrevista à BBC News Brasil.
Em janeiro de 2021, a história de Rafaela e João Pedro foi contada em documentário exibido pela BBC News Brasile pela BBC News. De lá para cá, a espera de Rafaela por Justiça apenas se prolongou, já que, desde então, nenhuma nova prova ou etapa da investigação avançou.
Se nos Estados Unidos o caso de George Floyd já foi solucionado - o ex-policial Derek Chauvin foi condenado pela Justiça americana e aguarda sentença a ser anunciada em junho - a morte de João Pedro continua sem punição. Rafaela conta que nada avançou desde outubro do ano ado.
Embora a bala encontrada no abdome de João Pedro tenha o mesmo calibre da usada pelos policiais que participavam a operação, de acordo com o laudo cadavérico, os três policiais investigados pelo crime continuam trabalhando normalmente não só em atividades de escritório, como é praxe em policiais investigados, mas na na Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), unidade de elite da Polícia Civil.
"Para nós mães que o Estado vem e mata nossos filhos, essa Justiça não acontece. Essa justiça é demorada, a impunidade está, sim, descarada", diz. "Porque a gente vê outros casos como o do Henry [Henry Borel Medeiros, de 4 anos, assassinado em março], em que não foi a polícia que cometeu o crime, e é um caso que já foi até solucionado em menos de um ano. A gente vê também o caso do George Floyd lá nos Estados Unidos, que foi também no mesmo mês do de João, teve toda essa comparação e é um caso que está se resolvendo também. Essa impunidade aqui no Brasil é muito difícil. A gente vê outros casos sendo solucionados e quando envolve a polícia é sempre muito difícil ser solucionado."
A BBC News Brasil fez contato, por telefone e por e-mail, com as assessorias das polícias Civil e Militar, bem como do governo do estado do Rio de Janeiro, mas não obteve resposta sobre as perspectivas de solução do caso ou sobre em quais operações os policiais suspeitos do crime já participaram este ano.
Além disso, a investigação sofreu alguns revezes: o principal deles foi a extinção, neste ano, do Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (Gaesp), que tem tem como principais atribuições atuar em "investigações penais relacionadas a crimes cometidos por policiais civis, policiais militares e agentes penitenciários".
Depois da publicação da reportagem, a assessoria de imprensa da Polícia Militar entrou em contato com a reportagem e informou que quem responde sobre o caso é a Polícia Civil, já que a ocorrência do caso João Pedro não teve participação da PM.
Há cerca de um mês, Rafaela diz que ficou sem saber o que dizer quando Rebeca, a filha caçula de 5 anos de idade, perguntou porque a polícia matou o irmão dela. "Foi até uma resposta difícil para eu dar, porque como você vai dizer que a polícia, que tem que proteger, tira a vida do irmão dela">var Collection = { "path" : "commons.uol.com.br/monaco/export/api.uol.com.br/collection/noticias/cotidiano/data.json", "channel" : "cotidiano", "central" : "noticias", "titulo" : "Cotidiano", "search" : {"tags":"11229"} };