Rompimento entre Moro e Bolsonaro encerra 16 meses de convivência tumultuada
"O presidente me disse que queria uma pessoa do contato pessoal dele, que ele pudesse ligar, colher informações. E não é o papel da Polícia Federal prestar esse tipo de informação. Imagina se os ex-presidentes Lula ou Dilma ficassem ligando para Curitiba para pedir informações sobre as investigações", disse Moro. "O presidente me disse que tinha preocupação com inquéritos em curso no STF, e que a troca seria oportuna também por esse motivo. Isso gera uma grande preocupação."
Para vários analistas, a saída de Moro do governo o credencia a disputar a Presidência da República em 2022, possivelmente contra o próprio Bolsonaro, e deve dar fôlego aos pedidos de impeachment do presidente. Ela é também o ápice de um enfrentamento que, após uma curta lua-de-mel, perdurou durante os 16 meses de governo.
O superministro
Novembro de 2018: Moro convoca a imprensa para anunciar que aceitou assumir no governo Bolsonaro um superministério da Justiça desenhado especialmente para ele. Ao abandonar 22 anos de magistratura, o ex-juiz que ganhou notoriedade com a Lava Jato afirmou que ar para o mundo político seria a chance "de implementar uma forte agenda anticorrupção e anticrime organizado" e consolidar o legado da operação afastando "riscos de retrocessos por um bem maior."
Foi uma decisão arriscada para Moro e que levantou questionamentos sobre sua conduta à frente da Lava Jato, já que ele foi o responsável direto por tirar da corrida presidencial aquele que provavelmente teria sido o maior adversário de Jair Bolsonaro na disputa, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Ao aceitar o cargo, o popular Moro ou a formar um dos três pilares iniciais do governo. Os outros eram os núcleos militar e o econômico, liderado por Paulo Guedes. Todos viriam a perder espaço, seja por inabilidade política, seja pelo comportamento errático e paranoico do presidente e da sua família.
Ao convidar Moro para o seu governo, Bolsonaro disse que o então juiz "teria liberdade total" e "carta branca" para combater a corrupção e o crime organizado.
Da "carta branca" ao "quem manda sou eu"
Só que 16 meses depois de assumir sua superpasta, Moro não apenas não conseguiu implementar seus projetos ambiciosos como colecionou episódios de desgaste com o presidente, que fez seguidas declarações de desapreço e movimentos contra seu ministro.
Nesta sexta-feira, veio finalmente o desfecho dessa relação tumultuada: Moro deixou o governo falando em "interferência política" de Bolsonaro na sua pasta e na Polícia Federal e acusou o presidente de não cumprir a promessa da carta branca.
Já em fevereiro de 2019, Bolsonaro deixou claro que havia limites na "carta branca" ao ordenar a exoneração de uma conselheira nomeada pelo ex-juiz e considerada "esquerdista" demais pela militância virtual, que responde diretamente aos filhos do presidente.
Nos meses seguintes, Bolsonaro também aproveitou para deixar claro que não estava mais disposto a cumprir compromissos firmados com seu ministro-troféu.
Em maio de 2019, Bolsonaro havia dito que pretendia indicar Moro para uma vaga a ser aberta no Supremo Tribunal Federal, como parte de "um compromisso". No entanto, em julho voltou atrás e disse que queria alguém "terrivelmente evangélico", um adjetivo que dificilmente poderia ser aplicado a Moro. Em agosto, disse finalmente que "não existe nenhum compromisso com o Moro".
No mesmo mês, Moro perdeu seu poder sobre o antigo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que voltou da sua pasta para o Ministério da Economia em uma jogada do Congresso para aprovar a medida provisória que reduziu o número de ministérios no início do governo. Bolsonaro não se opôs ao movimento dos parlamentares.
O caso Flávio e as investidas contra a PF
Em agosto, o Coaf ficou ainda mais distante de Moro quando Bolsonaro também determinou a transferência do órgão – hoje chamado Unidade de Inteligência Financeira – do Ministério da Economia para o Banco Central. A medida foi encarada como uma tentativa de dificultar a atuação do órgão, criticado pelo presidente por seu papel na investigação do esquema de "rachadinha" que envolve o senador Flávio Bolsonaro, filho mais velho do presidente. Nesse movimento, o então presidente do Coaf, Roberto Leonel, que havia sido indicado por Moro, perdeu o cargo. À época, Bolsonaro justificou a medida afirmando que queria "tirar o Coaf do jogo político".
O caso mostrou que Bolsonaro estava disposto a antagonizar com seu popular ministro se a questão fosse salvar seu filho e membros do seu círculo envolvidos em suspeitas de corrupção. Agosto marcou para Moro não só a perda definitiva do Coaf, como o início das investidas de Bolsonaro para interferir na atuação da Polícia Federal. Segundo a jornalista Thaís Oyama, autora de um livro sobre o primeiro ano do governo, Bolsonaro já andava irritado com o que considerava uma falta de empenho de Moro em enterrar o caso Flávio. "Ele está no time ou não está", disse Bolsonaro para assessores, segundo a jornalista.
A amargura do presidente se traduziu em ação contra o ministro quando Bolsonaro soube que Moro havia se encontrado com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, no final de julho. Moro queria que Toffoli revisasse uma decisão que havia determinado a suspensão de todas as investigações envolvendo o Coaf, argumentando que centenas de inquéritos ficariam parados em todo o país. Só que a decisão controversa de Toffoli havia beneficiado diretamente o encrencado Flávio.
De acordo com o livro de Oyama, um Bolsonaro furioso chamou Moro para lhe ar uma reprimenda. "Se o senhor não pode ajudar, por favor, não atrapalhe", disse o presidente. Ainda em agosto, o presidente ou a tentar nomear um novo superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro, o estado onde se concentram as investigações do caso Flávio. O movimento do presidente ava por cima da chefia da corporação subordinada a Moro, algo que nem mesmo presidentes anteriores investigados por corrupção, como Dilma Rousseff e Michel Temer, fizeram.
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